sábado, março 14, 2009

Porquê?

Depois de alguns tempo, duas semanas, em que a esperança renasceu em nós, em que a doença deu tréguas e pareceu abrandar, de repente tudo voltou ao princípio e os tempos tem sido muito difíceis, a maldita doença insiste em ser mais forte que os laços que o prendem à vida. Vida? Que qualidade de vida? Não sei responder.
Os dias passam iguais, negros de desespero, de revolta, de sofrimento. Ele carrega nos ombros a culpa de toda uma vida passada. Os bons e os maus momentos, os erros do passado, pecados mal resolvidos, calados, aventuras e desventura de outros tempos. Os momentos mais doces, os mais sofridos, os mais sentidos, desfazem-se na desfaçatez do mal que o consome. Desmoronam-se como castelos de areia. Porquê? Pergunta ele agora que a esperança parece perdida, e quando o desespero nos atormenta, eu já não sei responder. O silêncio inunda a casa. As paredes silenciam as palavras que já não dizemos. São cada vez mais os amargos momentos em que os dois nos fechamos. Calados. Pensamos no futuro. Qual futuro? Pergunta ele. Eu já não sei responder.
Vejo-o mais velho, curvam-se-lhe os ombros como se carregasse o peso do mundo sobre eles, está mais magro, mais acabado, mais desanimado. A anemia avança descontroladamente, já não fez Quimio, não pode fazer por enquanto. São semanas e semanas de desalento e de desânimo, estas, por nós vividas. Na esperança de que para a semana que vem as coisas estejam melhor. A importância de fazer ou não fazer quimio é agora uma parte muito importante na nossa vida. Cada dia que passa o círculo fecha-se mais e mais em redor dele. Em redor de mim. Em redor de nós. Sufoco. Sinto medo. Tudo é complicado, tudo é difícil. Coisas simples parecem de repente o cabo das tormentas. Havemos de dobrá-lo, digo-lhe eu. Tens a certeza? Não, eu não tenho a certeza.
Onde mora a esperança, a solidariedade, até a amizade? A doença e os problemas afastam as pessoas de nós. Sente-se um vazio de sentimentos. Os outros não se querem envolver e afastam-se, afastando-nos. Onde anda a alegria que todos os dias invadia a minha casa? E as conversas animadas à volta da mesa? O silêncio responde-me! Faz-me companhia e deixa-me cada vez mais só.
A música, essa amiga dos momentos amargos, ouve-se baixinho e embala-me nos seus acordes suaves. Eu não quero, diz-me a voz da Mariza. Eu também não quero, penso eu.
Envolvido no silêncio do quarto ele dorme. Dorme quase todo o dia. Ao menos assim não pensa. Não sofre.
Assim vão os nossos dias, à espera que as coisas mudem e ele melhore. Eu insisto, ralho, obrigo-o a comer, a beber, ele recusa, desiste. Baixa os braços, fecha os olhos. Eu persisto. Barafusto. Desespero e revolto-me contra esta sorte que nos calhou. Porquê? Eu já não sei responder.

12 comentários:

Anônimo disse...

Minha querida Amiga

Parece-me que o pior está a acontecer.
Desistir.

Não consigo, por mais que tente, dizer muito mais.

Apenas dar-vos força.
A que posso.

Que tudo corra pelo melhor.

Um beijinho para Ela e um abraço para Ele.

Franky disse...

Eu acredito, tenho de acreditar, que isto é só um mau momento, um momento muito longo, mas que vai passar logo, logo.
Ela recebe o beijinho, Ele o abraço.

Elvira Carvalho disse...

Amiga, é um post muito amargo, mas eu sei que é muito dolorosa a vossa situação. Essa é uma doença muito difícil, com a qual se tem que lutar com todas as forças, e sem desanimo. Não é o que o seu marido está a fazer. Eu já vi esse quadro com um tio que eu amava como um irmão mais velho. Verdade que só tinha mais 4 anos que eu. Ele reagiu exactamente como o seu marido.
Que Deus vos ilumine e vos ajude.
Um abraço

São disse...

Beijinho muito grande.

Jon disse...

Também não sei responder às vossas questões, infelizmente.
Resta-me dizer que estou aqui a torcer para que as coisas melhorem o mais depressa possível.
Força e um grande beijinho, Franky.

Carecaloira disse...

Compreendo o que sentem... mas posso apenas deixar um conselho para essa anemia: frutos secos, agriões, espinafres e o bendito sumo de beterraba com cenoura, comigo estes conselhos fizeram milagres e permitiram não falhar uma quimio, por isso não custa tentar.
Qualquer coisa que eu possa ajudar estou á disposição.

Acreditar, acreditar, acreditar
Beijo e abraço bem grande
Marina

Lu disse...

Um beijo grande aos dois... é a única coisa que vos posso dar!

Franky disse...

Olá Elvira

Todos temos dias amargos, outros que se vão vivendo mais ou menos e ainda outros que parecem que está tudo bem. Estas nuances de comportamento são devidas à carga emocional em que as famílias que acompanham estes doentes oncológicos estão submetidas. A doença e os seus tratamentos têm uma grande carga emocional para quem acompanha estes doentes. Para além do grande sofrimento em que eles se encontrar, e que nos é transmitido, sem que no entanto possamos fazer nada para minorar o seu estado, para resolver os problemas os deles e os nossos. Tudo o que está ao nosso alcance é-lhes dado, o que por vezes é tão pouco. Os mimos e todo o tratamento que lhe possamos dar não chegam e isso deixa-nos desmotivados e por vezes desesperados. No meu caso, já o tenho dito muitas vezes, era muito mais fácil se fosse eu a doente, as coisas funcionavam normalmente, sem atropelos, sem dramas. Quis Deus que assim não fosse, o que não torna as coisas menos penosas para mim.
Esta semana tem sido mais uma prova de fogo. A anemia tem dado muito poucos sinais de ter abrandado e hoje, quinta-feira, não acredito que faça Quimio de novo. Só lá mais para a tarde é que poderei dizer.
Um beijinho e obrigada de coração

Franky disse...

São, um beijinho grande para ti.

Franky disse...

Jon, às vezes basta saber que os outros estão aí desse lado para nos sentirmos melhor. Um sinal de alguém basta para não nos sentirmos sós. A solidão é o pior inimigo nestes casos. Obrigada por estares aí.
Um beijinho

Franky disse...

Olá Marina

A Marina é das pessoas que melhor compreende o que eu sinto, infelizmente, e isto parece birra de criança perante o seu sofrimento, mas como eu "dizia" à Elvira, eu também tenho dias, e tenho momentos em que me apetece fugir para longe, mas são só momentos tão fugazes, que fico logo arrependida e o sorriso volta no momento seguinte.
No caso do Rui, a Quimio está a fazer os seus estragos e é principalmente para além da anemia, a obstipação, e a vista!
Por causa da obstipação, que chega aos 8 dias, tenho de lhe dar alimentação que faça efeito para o caso, mas como tem a anemia, a alimentação à base de ferro tem ajudado para piorar o primeiro mal. Isto é um circulo vicioso.
A vista é mais complicado, mas para um programador é um problemas acrescido. Psicologicamente é arrasador e dá-lhe esta vontade de desistir.
As suas melhoras e obrigada pelas dicas, foram todas seguidas à risca, espero que ele hoje consiga fazer o tratamento.
Beijinhos e um abraço grande para si

Franky disse...

Obrigada Lu. Digo-te o mesmo que disse ao Jon, basta-me saber que estão aí, os da velha guarda, e faz-me muito bem lembrar os bons momentos do passado.
Um beijo grande