quarta-feira, dezembro 31, 2008

Assim vai a nossa Saúde!!

Tinha decidido encerrar este cantinho por uns tempo, o tempo suficiente para me encontrar a mim mesma e as palavras que a vida por vezes se encarrega de levar para bem longe. Mas por “culpa” de um amigo, o Observador do Blogue “Reflexos”, http://reflexosnexos.blogspot.com/, que me soube de uma maneira subtil puxar pelo coração e trazer à realidade e lutar por aquilo que mais temos direito. O direito à nossa indignação e de o podermos fazer através daquilo que temos ao nosso alcance, que são os nossos blogues. Este recado é dirigido à Ministra da Saúde, sim, porque apesar de ter plena consciência de que ela nunca irá ler semelhante Recado, fica a minha consciência muito mais aliviada. E isso para mim neste momento conta muito.
Vou contando isto devagar, como se de um conto se tratasse. Falado na terceira pessoa, mantendo uma certa distância, um certo afastamento, aquele afastamento de que preciso neste momento.
Como em todas as histórias, há os bons e os maus, há os que são como Deus e que nos são preciosos nos momentos de grande aflição e há os outros, os filhos da puta que só atrapalham, que não são nada, mas que se julgam acima de tudo e de todos.

Eram 8,30 da manhã, dia da noite de Natal! Ela ainda dormia, o silêncio inundava a casa, os animais ainda não se tinham levantado, a calma reinava, os corpos já um tanto cansados pelo passar dos anos merece um pouco mais de tempo para retomar a rotina de mais um dia de labuta. De repente o alvoroço, a desordem total. A voz de alguém que nos pede ajuda, que está aflito, que é preciso acudir sem demora. Cada minuto, cada segundo contava naquele instante. Ela atrapalhada tropeça, caí, levanta-se e cambaleando dirige-se ao telefone, marca o 112, explica o que se passa, pedem para repetir, pedem o nome da rua, pedem o nome do doente, o nº do telefone, ela troca tudo, repete, não entendem, chora, desespera. Repete, explica que o marido está a ter uma grande hemorragia que venham depressa! Asseguram que vão a caminho, que mantenha a calma. Calma! Calma. Conta os minutos, corre, vestindo a blusa, as calças, as botas que teimam eu não caber. Vai dando assistência ao marido, ajudando no que pode, confortando, dando apoio, correndo feita barata tonta. Alguém lhe grita para parar! Ela para, esta desfeita e chora. Quando dá por si, está na ambulância, a caminho do hospital. É tudo muito rápido, Ele vai logo lá para dentro e é de seguida recebido por uma equipa médica. Ela fica cá fora à espera, rodeada dos filhos, dos amigos! Quer saber notícias, dizem-lhe para preencher um papel, alguém preenche em nome dela e fica à espera. Chamam-na quase de seguida. É recebida por um médico que lhe fala na gravidade da situação, da extensão do tumor e que este tinha rebentado por ter feito uma biopsia há uns 4 dias atrás. Profissional e humano, o médico informa-a que o marido tem de ir para outro hospital, onde terá melhores condições técnicas e humanas para a gravidade do seu caso. Ali, nada mais podem fazer por ele, é um hospital distrital, poucos meios, véspera de Natal! Ela conforma-se e compreende. Não o pode acompanhar, terá de ir com o filho. Foi assim que fez.
Quando chegaram ao Hospital de Santa Maria, repararam que antes deles tinha chegada a GRIPE! Era o caos! A confusão total! Ela ampara o marido para se dirigirem à triagem. O médico de serviço nem olhou para Eles, estava a mandar mensagens de Natal, sim, disso Ela não teve dúvidas, Ela ouviu! Eram mensagens de Natal, para alguém que estava longe. Era véspera de Natal.
Enquanto Ele vomitava sangue por todos os cantos da sala, o bombeiro que o tinha levado ao hospital, tenta entregar ao médico, àquele mesmo médico que está a mandar mensagens de Natal, um envelope com muitas folhas do relatório que os colegas da província lhe tinham mandado. Pouco ligou ao que a carta dizia, estava preocupado com a falta de máscaras azuis. _ Tragam máscaras AZUIS, gritava! Enquanto isto, ela, procurava por todos os lados algo que servisse para o marido vomitar o sangue que ia saindo ás golfadas, serviram os caixotes do lixo. Foram dois! O cheiro era insuportável, a imagem era dolorosa. Ninguém a ajudou, nem lhe deram um papel para limpar todo aquele sangue! Nem uma palavra de conforto, nem de ajuda. Apenas uma máscara Azul! Apenas indiferença e mensagens de Natal para alguém que estava longe daquele local. A Ele, para além da bendita máscara, colocaram uma pulseira AMARELA e mandaram-no para dentro, para esperar numa outra sala. A Ela, uma tarjeta a dizer que era acompanhante do doente. Caminham os dois pelos corredores, apressam-se, tentam acompanhar um enfermeiro que caminha ligeiro por entre corredores, portas, mais corredores, mais portas. O filho fica cá fora, longe de tudo e de qualquer informação. Eram 13 horas da Véspera do dia de Natal.
Ele, é mandado esperar numa sala de tratamentos, “Aerossóis”, lê Ela na porta. Ela, é mandada esperar de pé no corredor, não há cadeiras, não há espaço, não há marido, não há filho. Não está sozinha, há ali dezenas de pessoas, que não falam com ela, nem a olham nos olhos, não a vêm, está invisível. As horas passam, a angústia aumenta. Tenta perguntar o que se passa, dizem que ainda não o viram.
Ao fim de 4 horas desespera, doem-lhe as pernas, tem a garganta seca, continua sem saber nada, espreita pela porta protegida pelos “guardas” invencíveis ao sofrimento, à dor humana. Pergunta mais uma vez se já o viram, _ Como se chama o doente? Perguntam pela segunda, terceira, quarta vez, nem ela já sabe bem. Mas desta vez Ela resolve agir, pergunta porque é que Ele não foi já atendido, respondem-lhe que ainda não chegou a vez dele! Como? Como era possível, ao fim de 5 horas, depois de ter saído com a máxima urgência do Hospital das Caldas da Rainha ainda não tinha chegado a vez dele? Tinha consciência a médica do estado de saúde grave em que o doente se encontrava? Sabia ela que Ele era doente daquele mesmo hospital, lá bem em cima, no 8º andar? No serviço de Pneumologia/Oncologia? Havia pouco mais de um mês, tinha sido encaminhado para aqueles serviços, tinha tido ali a sua primeira consulta, foi ali que lhe mandaram fazer a biopsia, era doente daquele mesmo hospital, tinham lá a ficha dele, tinham lá os exames. Ela falou mais uma vez no possível rebentamento do tumor depois de ter feito a tal biopsia e de ter interrompido um medicamento fundamental para o coração e logo após o seu reatamento a hemorragia ter acontecido, seria tão difícil ligar pelo computador para o 8º piso e interessar-se um pouco sobre este assunto Mandam-na ter calma! Mais calma? Que ficasse lá fora. Ela ia a sair, Ele pede-lhe água, estava cheio de sede, não bebia há muitas horas, certamente desde o dia anterior, eram 5 da tarde do dia seguinte, promete voltar com a água, que vai comprar lá fora, na cafetaria, uma enfermeira diz que eles ali têm água canalizada, que até é boa para a saúde, Ela se estivessem noutra situação, talvez tivesse achado graça, ou talvez não, mas ficou calada, séria, pronta a rebentar, recebeu um copo de plástico com água, copo esse que teve de guardar depois de vazio, o que seria lógico, dada as circunstâncias, não fosse o absurdo dos comentários, _ Ele que o guarde! Há poucos! É muita gente e assim ao menos quando tiver sede já tem um copo. Sem comentários, pensa Ela e vira costas, mais uma vez e pela milésima vez vai até à porta dar notícias da situação ao filho que espera na rua desde a hora do (sem) almoço.

Pouco depois Ela é chamada por uma médica, que a informa que Ele já foi visto, já sabem o que se passa e que vai ser internado, mas que ainda não sabem onde. O caso é muito grave, pode correr o risco de novas hemorragias. É só esperar mais um bocadinho. Ela vai lá fora, informa o filho, faz frio, vem para dentro, procura um lugar para se sentar, não há cadeiras vagas, o hospital está cheio, tem fome, tem arrepios de frio. Dói-lhe a perna, aquela onde lhe colocaram uma prótese há uns anos e que anuncia sempre quando vai mudar o tempo. Ali dentro do hospital morresse de calor, sai, entra. Teme perder de vista o marido, teme perder o marido. Ao fim de mais uma longa e penosa hora é-lhe comunicado que o seu marido vai para o Hospital Pulido Valente. Porquê o Pulido Valente? Porque sim, respondem, é tão bom como, ou melhor! Mas… Caso encerrado! Vai a correr chamar o filho para se despedir do pai, trocam a tarjeta, um enfermeiro vê e não gosta, diz que ele não pode entrar, Ela olha-o nos olhos e lembra-lhe que é noite de Natal e que o filho só se quer despedir do pai, é tão difícil assim de entender? O homem não entendeu, mais explicações, Ela não consegue explicar mais, está cansada, Ela não entra, Ela fica à espera, Ela não entende, Ela está farta!

Finalmente e ao cabo de longas 9 horas de verdadeiro calvário hospitalar vai de regresso a casa, sem o marido, sem esperanças, com o coração vazio porque já não acredita na humanidade, na solidariedade entre os homens. As técnicas existem, o homem evoluiu, e as máquinas que ele inventou fazem milagres, mas esqueceram-se de dizer que tem de existir HUMANIDADE e SOLIDARIEDADE, entre os seres humanos, senão corremos o risco de nos tornar-mos bestas.
Continua…

sexta-feira, dezembro 26, 2008

Os Meus Recados

Durante uns tempos este blog fica sem Recados.
O meu contacto está no meu perfil.
Um Bom Ano Novo.

sábado, dezembro 13, 2008

Porque é Natal!

A todos, que por aqui passam Um Bom Natal!







terça-feira, dezembro 09, 2008

9 de Dezembro



Naquele dia, eu sentia que alguma coisa estava para acontecer, não tinha dormido bem, estava cansada e o meu pensamento voava entre o passado e o presente. Sempre focado na mesma imagem. A minha mãe. Uma mistura de sentimentos que não sabia explicar. Na véspera, depois de uma ida ao Alentejo, eu tinha passado pela casa dela para lhe dar um beijo. Pediu-me que lhe arranja-se o cabelo. Eu assim fiz! Depois de lavar os cabelos brancos da minha mãe, coloquei-lhe os rolos e enquanto secava, fomos conversando sobre mil e uma coisa. Desabafos de alguém que sente o fim da sua caminhada. Preocupações exageradas de mãe galinha. Disse-lhe eu! Ela, na prenuncia tão característica do dialecto barranquenho nunca esquecido e sempre presente, respondeu-me que ela é que sabia o que era melhor para as suas filhas e que estava preocupada com o nosso futuro um dia que ela desaparecesse! Tinha 92 anos, amava a vida e a sua família acima de tudo. Nesse dia, ainda falámos dos seus medos, da sua terra e das suas gentes, pessoas que eu não conhecia, mas que ela se recordava com uma precisão impressionante. Contou-me histórias da sua infância, do tempo de escola, dos irmãos, e do meu pai. O meu Pai foi o grande amor daquela mulher frágil, pequenina, mas enérgica, desde os tempos de escola.

Mandavam-se recados um ao outro, em papelinhos, mensagens secretas de um grande amor. Eram crianças ainda, namoram à janela, não se tocavam, mal se vislumbravam na penumbra que envolvia a noite. Só eles e as estrelas, nas noites frias e escuras do Alentejo. Alguém devia estar ali por perto guardando a candura daquela paixão de meninos. Foi mulher de um só homem. Casou tarde já teria 30 anos feitos e nunca mais olhou para outros olhos senão aqueles olhos verdes que o meu pai tinha. Viu partir o companheiro dos seus dias muito cedo, tinha ele 57 anos. Uma dor nunca superada, confessou-me um dia. Ficou mais amarga, mais autoritária, com o sentido da responsabilidade mais aguçado.
Naquele dia a conversa nunca mais tinha fim, eu adorava ficar ali sentada ao lado da cama que ultimamente a acolhia. Tinha caído e tinha partido uma perna. Ficou ainda mais frágil, não comia, não queria viver assim, dizia-nos desesperada. Uns anos atrás tinha perdido a vista o que condicionava ainda mais os seus dias.

Chegou a hora de eu me vir embora. Ela não quis e chorou. Pediu-me para não a deixar e chorámos as duas. Abracei aquele corpo cada vez mais frágil, cada vez mais pequenino. Quem me dera leva-la comigo para sempre, pensei. Acalmei-a e disse-lhe que era melhor ficar ali na sua casa no quentinho do seu quarto que era seu há mais de meio século. Falei-lhe com doçura, explicando-lhe calmamente que não ficava sozinha, alguém ficava com ela. Disse-lhe também que voltava no dia seguinte, acalmou, serenou, acenou-me com a mão e olhou para mim com um olhar triste, como um adeus.

Eram 6 da manhã, o telefone tocou na minha casa. A minha mãe tinha acabado de morrer. Mil sentimentos eclodiram nesse momento. A minha mãe NÃO!! Foi só o que consegui dizer. Revolta, arrependimento, dor. E esta ausência que conta os meus dias.

Aquele dia, 9 de Dezembro, faz hoje 1 ano.