terça-feira, dezembro 09, 2008

9 de Dezembro



Naquele dia, eu sentia que alguma coisa estava para acontecer, não tinha dormido bem, estava cansada e o meu pensamento voava entre o passado e o presente. Sempre focado na mesma imagem. A minha mãe. Uma mistura de sentimentos que não sabia explicar. Na véspera, depois de uma ida ao Alentejo, eu tinha passado pela casa dela para lhe dar um beijo. Pediu-me que lhe arranja-se o cabelo. Eu assim fiz! Depois de lavar os cabelos brancos da minha mãe, coloquei-lhe os rolos e enquanto secava, fomos conversando sobre mil e uma coisa. Desabafos de alguém que sente o fim da sua caminhada. Preocupações exageradas de mãe galinha. Disse-lhe eu! Ela, na prenuncia tão característica do dialecto barranquenho nunca esquecido e sempre presente, respondeu-me que ela é que sabia o que era melhor para as suas filhas e que estava preocupada com o nosso futuro um dia que ela desaparecesse! Tinha 92 anos, amava a vida e a sua família acima de tudo. Nesse dia, ainda falámos dos seus medos, da sua terra e das suas gentes, pessoas que eu não conhecia, mas que ela se recordava com uma precisão impressionante. Contou-me histórias da sua infância, do tempo de escola, dos irmãos, e do meu pai. O meu Pai foi o grande amor daquela mulher frágil, pequenina, mas enérgica, desde os tempos de escola.

Mandavam-se recados um ao outro, em papelinhos, mensagens secretas de um grande amor. Eram crianças ainda, namoram à janela, não se tocavam, mal se vislumbravam na penumbra que envolvia a noite. Só eles e as estrelas, nas noites frias e escuras do Alentejo. Alguém devia estar ali por perto guardando a candura daquela paixão de meninos. Foi mulher de um só homem. Casou tarde já teria 30 anos feitos e nunca mais olhou para outros olhos senão aqueles olhos verdes que o meu pai tinha. Viu partir o companheiro dos seus dias muito cedo, tinha ele 57 anos. Uma dor nunca superada, confessou-me um dia. Ficou mais amarga, mais autoritária, com o sentido da responsabilidade mais aguçado.
Naquele dia a conversa nunca mais tinha fim, eu adorava ficar ali sentada ao lado da cama que ultimamente a acolhia. Tinha caído e tinha partido uma perna. Ficou ainda mais frágil, não comia, não queria viver assim, dizia-nos desesperada. Uns anos atrás tinha perdido a vista o que condicionava ainda mais os seus dias.

Chegou a hora de eu me vir embora. Ela não quis e chorou. Pediu-me para não a deixar e chorámos as duas. Abracei aquele corpo cada vez mais frágil, cada vez mais pequenino. Quem me dera leva-la comigo para sempre, pensei. Acalmei-a e disse-lhe que era melhor ficar ali na sua casa no quentinho do seu quarto que era seu há mais de meio século. Falei-lhe com doçura, explicando-lhe calmamente que não ficava sozinha, alguém ficava com ela. Disse-lhe também que voltava no dia seguinte, acalmou, serenou, acenou-me com a mão e olhou para mim com um olhar triste, como um adeus.

Eram 6 da manhã, o telefone tocou na minha casa. A minha mãe tinha acabado de morrer. Mil sentimentos eclodiram nesse momento. A minha mãe NÃO!! Foi só o que consegui dizer. Revolta, arrependimento, dor. E esta ausência que conta os meus dias.

Aquele dia, 9 de Dezembro, faz hoje 1 ano.

6 comentários:

Anônimo disse...

Naquele dia 9 de Dezembro.
Um ano. Já ou ainda?
Falta-te um amparo, não é Franky?

Vai à luta.
Tens alguém que te preenche, de forma diferente é verdade, mas preenche o vazio.
A tua netinha.

Com o Rui, o maridão, tudo vai correr pelo melhor.

Um abraço ao filhote, uma beijoca para a Nocas e um beijinho para ti.
Mereces, Amiga.

Franky disse...

Olá Observador
Já um ano, parece que foi ontem!
Felizmente não me falta amparo neste momento, mas o colo da mãe é sempre necessário, é muito especial.
Sim vou à luta mais uma vez, mas desta vez tenho de ser um pouco palhaço, manter a cara alegre mesmo que "morta por dentro" como dizia Palmira Basto numa peça de Teatro.
Dei o teu recado a todos e todos agradecem e retribuem.
Um beijo grande para ti.
E um bom Natal

Elvira Carvalho disse...

Não tenho andado muito por aqui. Meu pai esteve a semana passada internado no Garcia da Orta. Meu pai tem 90 anos, e está mal. Talvez tenha que amputar a perna pela coxa. Está sofrendo muito.
Lembro-me do ano passado, da sua dor. Uma dor que vai ficar para o resto da vida, mas que a amiga terá que transformar, numa doce saudade, e tocar a vida para a frente.
Um abraço

Franky disse...

Olá Elvira

Imagino a dor por que está a passar amiga. Eles são únicos para nós e é nestas alturas que nós mais nos apercebemos do grande amor que sentimos pelos nossos pais.
Espero que o seu pai tenha uma recuperação rápida e que tudo corra pelo melhor. Força Elvira para si e para lhe poder transmitir essa força a ele.
Um beijo enorme

Jon disse...

À medida que o tempo passa, as saudades vão aumentando...e há alturas em que custa muito.
Um beijo muito grande, Franky.

Vera disse...

Olá Elvira!

Percebo muito bem a dor que está a passar!! Perdi a minha mãe muito cedo, até cedo de mais, mas o que me conforta é relembra-la sempre que possível para que ela possa viver em alguém!! A saudade nunca vai desaparecer, existem momentos em que só ela podia compreender e ajudar, com uma palavra, um gesto e até um carinho.
Muitas vezes tenho até saudades das suas chamadas de atenção, preocupações de mãe galinha como disse, mas que sabem bem ouvir!!

Relembrei-a sempre, conte tudo o que se lembrar aos seus filhos ou até mesmo numa conversa banal, lembre como ela fazia ou dizia se estivesse nessa situação e sorria... Vai estar sempre no seu coração!!

Um beijinho