sábado, abril 25, 2009

Onde estava eu no 25 de Abril?

Onde estava eu no 25 de Abril de 1974?

Em Lisboa, no meio da Revolução. Sem saber o que era a Liberdade.
Eu não tinha mais de 20 anos. Era pouco mais do que uma menina, mas já carregava comigo a esperança de um Abril novo. Levava comigo o murmúrio das palavras faladas em surdina no quarto do meu pai. Ouvia a rádio! A rádio Argel com a “Voz da Liberdade” estava no ar. As palavras de Manuel Alegre faziam com que a esperança renascesse em cada noite escura. Para que não morre-se a esperança no coração dos homens.
Chegou Abril de mansinho pela madrugada daquele dia 25 de Abril de 1974, depois do Adeus, os passos dos soldados marcavam o compasso para a canção dolente de Grândola Vila Morena. Depois daquela madrugada, Lisboa encheu-se de povo, de gente anónima que queria fazer Abril também. Eu estava lá, no meio da revolução, nas ruas da minha cidade. Eu chorei de alegria e abracei os soldados que nos ofereciam a paz na flor de um cravo vermelho, com que enfeitavam as pontas das baionetas. Nunca tínhamos sido tão livres. Não havia interesses, não havia invejas, nem ódios, nem ganâncias. Éramos puros como crianças. Éramos amigos. Já podíamos falar de tudo, dizer de tudo. Tínhamos mudado o mundo. O nosso mundo. Não havia retorno. Olhávamos os outros nos olhos, de frente, sem medo. Éramos finalmente Livres.

Há 35 anos tudo era diferente.

Há 35 anos eu não votava.

Há 35 anos eu não podia fazer parte de nenhum partido político.

Há 35 anos eu não podia sair à noite sem autorização do meu pai.

Há 35 anos eu não podia sair do país sem autorização do meu pai ou do meu marido.

Há 35 anos eu não podia fumar, sem ser apelidada de mulher perdida.

Há 35 anos eu não me podia divorciar.

Há 35 anos eu não podia ser actriz ou cantora, pintora ou bailarina.

Há 35 anos eu não podia ir a um bar, uma discoteca, ao cinema.

Há 35 anos eu não podia abortar, ser dona do meu corpo.

Há 35 anos eu não podia falar em público, reclamar, protestar.

Há 35 anos eu não podia ser simplesmente mulher.

Há 35 anos eu não tinha um blog e não podia escrever a palavra sentida.

Tudo o resto, tudo o que hoje somos é erro e culpa nossa. Acomodámo-nos ao bem adquirido e adormecemos à sombra da herança. Não votamos, porque não nos apetece sair à rua, porque é feriado em dia de eleições e há mil e muitas outras coisas para fazer, e já votámos tantas vezes, que já não vale a pena, respondemos, desalentados. Não vale a pena, encolhemos os ombros, indiferentes. Ignoramos o apelo, dos que ainda vão insistindo, para que o façamos.
Nós fazemos a democracia, aceitando e votando nos partidos que elegemos. Não podemos permitir novamente a arrogância política, a indiferença dos que tudo podem, o desemprego, a fome, a falta de saúde, de habitação e de educação.
Abril deu-nos as armas para poder lutar. Não podemos desistir.

2 comentários:

Anônimo disse...

O teu apego a essa liberdade conquistada, e ainda bem, comove-me.
Deveríamos, ainda hoje, manter esse ar de graça que Abril nos proporcionou.
Não posso nem devo falar por ninguém. Mas eu estou cada vez mais desiludido.
Por culpa de muita gente...

Jon disse...

Gostei muito de te ler, Franky.
É exactamente por tudo o que escreveste e tantas outras coisas que o 25 de Abril não deve ser esquecido NUNCA!
E apesar de tudo, vivo numa cidade que não o deixa passar em branco e ainda bem!!!!
Beijinhos para ti! :)